10 DIAS ANTES (Primeira parte de ‘Um Conto de Amor Novo’)

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ORA, ORA! COMO EU TINHA PROMETIDO QUE UM CONTO DE AMOR NOVO SERIA PUBLICADO À 00H00 E A AMAZON ME DEU UMA RASTEIRA, PROMETI QUE PUBLICARIA A PRIMEIRA PARTE DE GRAÇA PARA VOCÊS ENQUANTO O EBOOK ESTÁ EM REVISÃO. ESPERO DE CORAÇÃO QUE VOCÊS GOSTEM DESSA HISTORINHA TANTO QUANTO EU (E QUE FIQUEM ANSIOSOS PARA LER ELA INTEIRINHA, ASSIM QUE SAIR NA AMAZON). ENTÃO, AQUI ESTÁ:

Leo raramente ficava irritado. Na verdade, pouquíssimas coisas o tiravam do sério.

Quando sua mãe lhe forçou a ir num encontro arranjado com o filho de sua amiga da classe de crochê, ele ficou chateado. Quando sua irmã, Sarah, pegou sua camiseta favorita, que ele tinha comprado numa liquidação relâmpago no shopping do centro, sem avisá-lo na noite em que ele pretendia usá-la numa festa, ele ficou bem nervoso. Quando a camiseta voltou manchada de vinho tinto, ele ficou furioso. No ano passado, quando William se esqueceu de seu aniversário de vinte e oito anos, ele quis matá-lo.

Mas nada disso chegava perto do que sentiu quando o diretor do hospital pregou a escala das últimas semanas do ano no mural. Ele foi tateando a planilha, com suas curtíssimas unhas recém-feitas, em busca de seu nome no quadro. Leonardo Miranda não estava na lista da véspera de Natal.

Ufa!

Não que se importasse muito com o Natal. Era só mais uma oportunidade para viajar para o interior e ouvir sua mãe reclamar a noite inteira sobre o desejo constante de um genro e dezenas de netos, agora que ela tinha decidido vestir orgulhosamente a camisa “Eu amo meu filho independente de tudo e faço questão de me meter na vida amorosa dele”. Começamos na fase “Vou fingir que não sei que o meu filho não é hétero”, passamos por “Meu filho está condenado à danação eterna” e a que precedeu à fase atual: “Seja o que quiser, mas não me mantenha a par disso”.

“Sabe o que digo, não sabe?” sua mãe começou, no ano anterior “Você precisa achar um bom rapaz agora, depois dos trinta…”

“…trinta por cento a menos de chance” — Leo completava, no piloto automático.

Ouvia isso desde os vinte e cinco, e ao completar vinte e nove, seis meses atrás, sua mãe fez questão de lhe enviar um relógio exuberante, embrulhado em papel de presente perolado, para lembrar-lhe do tempo que estava passando. O Grande Relógio da Solteirice, como gostava de chamá-lo, estava agora em seu pulso. Tic-toc, tic-toc.

Ele não se importaria de trabalhar no Natal. Pelo menos ficaria longe da mãe.

Continuou seguindo a planilha com o indicador.

Trabalharia no dia 26. OK! Dia 29. O máximo! Dia 31. Não! Leu novamente.

31 DE DEZEMBRO

Alexsandro Rosemberg
Amanda Pereira
Carla Carvalho
Cassimiro Gomez
Denise Silva
Hilton Morais
Hosana Beatriz
Isadora Tavares
Leandra Cavalcante
Márcio Freire
Leonardo Miranda

Nem se deu ao trabalho de ler a lista uma terceira vez.

Leonardo Miranda

Num acesso de raiva, deixou a sala. Puxou a caneta presa atrás da orelha esquerda e seguiu em direção à máquina de expresso no corredor do terceiro andar. Não! Não podia trabalhar na véspera do Ano Novo. No Natal? Podia viver com isso. Mas o Ano Novo, não. Estava planejando essa noite desde o Carnaval. Era a noite mais feliz do ano. A noite de um novo começo. Estaria com os amigos quando o relógio anunciasse a meia-noite. Já tinha comprado a calça de alfaiataria ideal numa liquidação da sua loja preferida, a calça perfeita para chamar a atenção de William — que se no ano passado quando esqueceu seu aniversário, ele queria morto, agora queria vivo. Bem vivo. Não podia trabalhar na véspera do Ano Novo.

Respirou e tomou um gole de café. Alguém iria querer trocar com ele. Poderia até pagar um valor simbólico pela troca. Valeria a pena. Engoliu o restante da bebida morna, jogou o copo na lixeira mais próxima e marchou de volta para a sala de reunião.

Os que não estavam dormindo nas cadeiras durante o plantão, estavam cochichando num canto da sala, quando Leo se aproximou. 

— É… — pigarreou, na tentativa de chamar a atenção dos presentes — Gente, alguém por acaso quer que eu assuma no Natal?

Todos interromperam a conversa e voltaram o olhar para o rapaz parado no meio da sala. 

— Posso tirar o seu plantão do dia 29, se pegar o meu —  um dos médicos mais novos respondeu prontamente. 

— Na verdade, queria alguém para tirar o meu plantão do dia 31.

Todos riram.

 — Acho um pouco difícil. Leo, não é isso?!

— Você foi amaldiçoado com a praga do Réveillon, não tem volta — disse uma das residentes com o rosto enfiado no celular.

Encarou o relógio no pulso. Tinha que participar de uma cirurgia em vinte minutos.

— Obrigado, de toda forma.

Seguiu em direção à porta, à medida em que os outros retornavam aos seus afazeres. Puxou o celular do bolso. Mais de trinta mensagens de texto. A mais recente estava estampada na tela.

Helena @ ANO NOVO DOS FRIENDS
Vcs n vão acreditar: buffet confirmado! ♡ ♡ ♡ Vai ser d+!
19:37

Buffet confirmado. Decoração confirmada. DJ confirmado. Tudo confirmado, menos uma coisa: sua presença.

— Psiu!

Virou-se para ver de onde vinha o chamado e Walter, no canto oposto da sala estava acenando para ele, enquanto se aproximava.

— Eles provavelmente não te contaram, mas ouvi a Elizabete comentando que queria trocar o Natal pelo Ano Novo.

Leo ficou contente quando sua mãe lhe arranjou um encontro com o filho de um amigo próximo da família, coincidentemente sua primeira paixonite de infância. Ficou radiante quando sua irmã conseguiu encontrar exatamente a mesma camiseta que havia destruído numa loja fora da cidade. Mais ainda quando ela lhe deu uma carteira para combinar, como um pedido de desculpas. Quando William lhe levou para um jantar na casa de um casal de amigos seus, numa noite qualquer, ele quase derreteu-se tamanha a alegria.

Mas nada disso chegava perto do que sentiu quando ouviu da boca de Walter as palavras Elizabete. Trocar. Ano Novo. Começou a rastrear a sala em busca de Elizabete. Elizabete era sua salvação. Estava certo de que sempre tinha gostado de Elizabete, mesmo que não tivessem trocado duas palavras desde que tinha sido transferido para o hospital. Na verdade, parou para pensar, nem sabia ao certo quem era Elizabete. Tentou se lembrar do rosto de todos que conhecia na equipe e nenhuma Elizabete surgiu em sua mente. Quem diabos era Elizabete? 

— Ela acabou de sair para assistir à cirurgia.

Elizabete. Se lembrava de Elizabete. Como pôde esquecer? Baixinha, cabelos cacheados. Elizabete!

— Obrigado, Walter!

Abraçou o colega com mais força do que acreditava possuir e seguiu correndo porta afora. Os corredores estavam vazios e alguns poucos enfermeiros estavam aglomerados na Ala Norte. Apertou o botão do elevador repetidas vezes, como se isso acelerasse a sua chegada, e quando finalmente chegou, pôs-se dentro dele num pulo.

O elevador parecia subir mais devagar do que o normal. 4. Rápido, porcaria! 5. Por um momento considerou que devia ter subido de escadas. 6. Arghhh! 7. Finalmente! Disparou pelo corredor. Elizabete, Elizabete.

Freiou. Uma luz vermelha no topo da porta dupla indicava que a cirurgia já tinha começado. Merda! Entrou pelo acesso lateral e vestiu o traje pendurado. Todos já estavam reunidos em volta da mesa de cirurgia. Era difícil identificar Elizabete quando todos estavam usando toucas e máscaras. Tentou relaxar. Podia esperar até o fim da cirurgia.

Mas a tentativa de relaxar foi em vão. Quando foram dispensados da sala, percebeu que não havia ouvido sequer uma palavra que havia sido dita. Não viu nenhuma das etapas do procedimento. Se lhe perguntassem ali mesmo qual tinha sido a cirurgia que acabara de testemunhar, não saberia responder. Só conseguia pensar em encontrar Elizabete e lhe implorar a maldita troca. Mas quando chegou no vestiário, todos estavam aglomerados. Conseguia distinguir alguns rostos familiares. Acenou para Leandra, com quem tinha se formado, e Jorge, com quem dividia a maioria dos plantões.

Nada de Elizabete.

Estava começando a ficar impaciente. Todos saíam do vestiário e ocupavam os corredores, voltando aos seus afazeres ou à soneca na sala de reunião. Elizabete! E estava sozinha, esperando o elevador. Era a oportunidade perfeita. Começou a se aproximar, como um animal selvagem pronto para dar o bote, quando a colega entrou no elevador. Acelerou o passo e conseguiu enfiar a mão entre a porta, já quase fechada, o que quase lhe custou alguns dedos. Tudo bem, era ambidestro!

— Me perdoe, Leo! — se sentiu mal por nunca ter trocado nem sequer uma palavra com a moça parada diante dele, que claramente sabia quem ele era — Não tinha te visto.

— Que nada! — ajeitou o traje, tentando soar o mais casual possível.

Entrou no elevador e se posicionou ao lado de Elizabete. Nem mesmo conferiu para qual andar o elevador seguia.

— Como andam as coisas?

— Excelentes! — Leo queria pular direto ao assunto, mesmo que isso significasse uma drástica economia de palavras — Já checou a nova escala?

— Já sim! Acredita que fui escalada para o Natal?

— Minha nossa! — fingiu surpresa.

— Já tinha feito planos com minha filha, compramos até as passagens para visitarmos a minha avó no Sul.

— Poxa vida! — ele era um bom ator e nunca tinha duvidado de seu potencial — Eu podia trocar com você. Eu não vou viajar, nem nada. Na verdade, seria ótimo para mim.

— Que gentil da sua parte, Leo! — Ai meu Deus! Ai meu Deus! Ai meu Deus! — Mas a Denise já tinha combinado de trocar comigo pouco antes de entrarmos para a cirurgia. Agradeço o gesto, de toda forma!

Ai meu Deus!

Ai meu Deus!

Ai. Meu. Deus!

O elevador abriu suas portas e Elizabete saiu, ainda cumprimentando Leo pela gentileza, por mais que ele não estivesse mais ouvindo sequer uma palavra que saía de sua boca. Denise. Por que Denise? No ano anterior, Denise estava implorando a todos para que alguém assumisse o seu plantão num dos finais de semana de Junho. O motivo? Ela queria organizar uma surpresa pro aniversário de 80 anos da sua mãe, fora da cidade. Aparentemente toda a equipe tinha uma justificativa plausível para não poder assumir o plantão. Mas quando Denise chegou na última pessoa da lista, ela também teve que recusar. O motivo de Leo? Havia uma liquidação programada para aquela mesma noite no shopping do centro, e ele tinha planejado comprar um blazer para uma cerimônia que estava na sua agenda. É óbvio que ele não disse isso quando Denise lhe perguntou se poderia assumir o plantão, mas a desculpa inventada também não justificava a recusa.

Denise nunca lhe cederia o Ano Novo, não depois desse fatídico episódio.

Leo se encolheu no elevador. Todos os seus planos estavam dando errado. Não conseguiria ir à festa. Não encontraria os amigos. Não dançaria ao som das músicas que tinha incluído em sua playlist, não beberia os drinks elaborados ou comeria os canapés com nomes que nem sequer sabia pronunciar. E o pior de tudo, não encontraria William. Sabia que se o encontrasse no Ano Novo, conseguiria fisgá-lo. Tinha feito sua amiga, Marla, convidá-lo casualmente. Planejou absolutamente tudo. Até o pedido de casamento, que faria um mês depois. Não tinha tempo a perder.

O elevador abriu as portas.

G5. Perfeito! Teria que subir tudo de novo até o terceiro andar.

Ele devia simplesmente desistir dos planos. Talvez no ano seguinte. O ano dos trinta. Parou e pensou. 70% de chance ainda era muita coisa. Mas nada comparado aos 100% que tinha agora. Pressionou o botão no elevador e assistiu as portas se fecharem, certo de que morreria infeliz e amargo. Ou pior que isso: solteiro.

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(GRITOS INCESSANTES) TÁ NO MUNDO ESSE FILHOTE, UFA! COMO EU DISSE NOS AGRADECIMENTOS DE UM CONTO DE AMOR NOVO, ESCREVER UMA HISTÓRIA TÃO LEVE NUM PERÍODO TÃO PESADO COMO ESSE FOI UM EXERCÍCIO DE ESPERANÇA E DE NÃO ME PERMITIR DESISTIR DAS MINHAS HISTÓRIAS.

ENTÃO NÃO DESISTE DE MIM! JÁ JÁ ELA TÁ INTEIRINHA NO MUNDO, NÃO DEMORA. AVISO TUDO LÁ NO INSTAGRAM @HNQPEDRO.

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